Considerações sobre envelhecer com Parkinson

Marcus Carvalho Fonseca

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(email: mgdslme@gmail.com; Facebook: https://www.facebook.com/TenhoParkinson)

Atenção: os conteúdos apresentados neste texto são meramente informativos e não tem a pretensão de esgotar os assuntos abordados. Seu objetivo, junto com os demais textos disponíveis no site é contribuir para que, com sua leitura, você entenda com mais clareza o contexto da DP (doença de Parkinson) e possa buscar de forma mais consciente e objetiva as melhores soluções para suas necessidades.

Uma boa fonte para você se informar sobre envelhecimento é o sítio da SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia(<https://sbgg.org.br/>), que tem como objetivo principal congregar médicos e outros profissionais de nível superior que se interessem pelo tema.

Por que falar sobre “Parkinson e envelhecimento”?

Porque são dois temas muito próximos e Inter influentes e nós, pessoas com DP, devemos nos informar e procurar entender minimamente tudo aquilo que tem relação com a doença, já que nossa capacidade de enfrentamento das adversidades trazidas pela DP depende de informação relevante e motivação.

O fato é que, com o passar do tempo, a pessoa com a DP apresenta alguns comprometimentos motores e não-motores produzidos não só pela doença, mas também pelo envelhecimento, que está frequente­mente associado ao declínio do desempenho cognitivo e fisiológico.

Quem e quantos somos?

Nada nos distingue a priori. Nós, pessoas com Parkinson, podemos ser qualquer um, homens e mulheres de qualquer etnia, de qualquer nível socioeconômico, de qualquer nacionalidade e de qualquer idade, apesar da DP instalar-se de forma lenta e progressiva, em geral em torno dos 50 a 60 anos de idade. A DP é a doença crônica neurodegenerativa mais comum nos idosos depois da doença de Alzheimer.

Apesar dessa predominância em idades mais avançadas, a literatura reporta que 10% dos casos ocorrem antes dos 40 anos (parkinsonismo de início precoce) e até em menores de 21 anos (parkinsonismo juvenil).

A epidemiologia [1] da DP tem distribuição universal e atinge todos os grupos étnicos e classes socioeconômicas. Sua etiologia [2] é idiopática (sem causa ou origem determinadas), apesar de haver evidências de uma possível causa multifatorial, com a combinação de predisposição genética, presença de fatores ambientais, fatores pessoais e envelhecimento cerebral.

Não há até o momento nenhuma forma de prever se um indivíduo saudável ou não terá DP e, para aqueles que têm a doença, prever que sintomas irão se desenvolver e com que grau de severidade.

Estatisticamente a relação do envelhecimento com a DP é muito clara; dados divulgados e aceitos em geral, mostram que de 1 a 2/% dos indivíduos com mais de 65 anos (65+) em todo o mundo têm a doença, ou seja, 1 a 2 indivíduos para cada 100 idosos 65+.

Para todo o universo de pessoas, as estatísticas mostram que a doença atinge de 0,1 a 0,2% de toda a população (1 a 2 casos para cada 1.000 habitantes). Para uma população mundial que no início de 2020 já atingiu a marca de 7,76 bilhões de indivíduos (www.worldometers.info), estima-se que existam pelo menos 7,76 milhões de pessoas com Parkinson em todo o planeta.

Nesse contexto, deve ser observado que, apesar dessa predominância em idades mais avançadas, é citado que 10% dos casos ocorrem antes dos 40 anos (parkinsonismo de início precoce) e até em menores de 21 anos (parkinsonismo juvenil).

Os dados sobre a quantidade de indivíduos com a DP no Brasil são estimados a partir da premissa de que a frequência dessa patologia varia muito pouco em diferentes países, independentemente da composição étnica. Assim, passamos a conviver com uma estimativa de 210 a 420 mil pessoas com a DP no Brasil, para uma população de 210 milhões de brasileiros [3], número que tende a aumentar nos próximos anos devido a dois fatores influentes: o crescimento e o envelhecimento da população do país.

Estima-se que em 2060, de cada 4 indivíduos no Brasil, um terá mais de 65 anos. No caso da estimativa do número de pessoas com DP em 2060, adotamos conservadoramente como base de cálculo apenas os casos associados aos indivíduos 65+ no limite inferior de 1%.

AnoPopulação total do BrasilPopulação 65+ do BrasilExpectativa de pessoas com DP no Brasil
2020210.000.0009,6% da população total 20.260.000 idosos 65+Acima de 210.000
2060228.300.00025,5% da população total 58.200.000 idosos 65+Acima de 582.000

Concluindo, o que se vê é que em 40 anos o número de pessoas com DP no Brasil praticamente triplicará.

Como áreas do conhecimento, DP e envelhecimento são tratadas pela neurologia e pela gerontologia e geriatria respectivamente. O especialista em Gerontologia é o profissional com formação de nível superior em uma ou mais das diversas áreas do conhecimento (Psicologia, Serviço Social, Nutrição, Terapia Ocupacional, Direito e outras), titulado pela SBGG ou outra instituição reconhecida, apto para lidar com questões do envelhecimento e da velhice, com um olhar interdisciplinar a partir da sua área original de conhecimento. Já a Geriatria é uma especialidade médica que se vale dos conhecimentos da Gerontologia com o objetivo da promover um envelhecer saudável por meio da prevenção e do tratamento das doenças, da reabilitação funcional e dos cuidados paliativos. Ambas exigem abordagens multidisciplinares considerando a complexidade de suas causas e de seus efeitos.

Uma questão importante é o número de geriatras no Brasil, que segundo a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara Federal dos Deputados (https://www.camara.leg.br/noticias/581078-numero-de-geriatras-nao-acompanha-envelhecimento-da-populacao/), está muito abaixo do mínimo necessário para cuidar da população de idosos. Estima-se que existam menos de 2.000 geriatras em todo o país. Mas isso é assunto para outra conversa que trataremos brevemente em outro texto.

Pelos dados apresentados parece não haver dúvidas de que DP e envelhecimento é um tema que merece nossa atenção, concorda? Acreditamos que sim. Primeiro porque é mais uma fonte de conhecimento sobre nossa saúde, nosso organismo, nossa fisiologia, nossos tratamentos, nossos sintomas e sinais e nosso entendimento sobre quem é quem nessa história. Segundo, porque sendo uma pessoa com DP, seu envelhecimento se dará até o fim na companhia dessa doença.

Então vamos lá, inicialmente entender o que caracteriza um indivíduo como idoso e em seguida como se dá o processo de envelhecimento.

Nesse contexto uma questão importante que nos parece pouco discutida é a da DP precoce, que acomete indivíduos com idades abaixo de 40 anos e, apesar de pouco comuns, também jovens e adolescentes. O fato é que quanto mais jovem se tem a doença, mais importantes se tornam as diferentes formas de lidar com ela, já que ter uma doença progressiva tão cedo na vida é um enorme desafio. Há situações em que as pessoas com DP escondem a doença em determinados grupos sociais, por diferentes constrangimentos.

O limite de idade abaixo do qual se entende que a doença é precoce é de 40 anos. Esse valor é arbitrário e aceito normalmente como referência.

Independentemente da idade em que a DP surge, os sintomas são semelhantes, apesar de haver evidências de que em pacientes jovens a doença evolui mais lentamente. Não surpreende que assim seja já que nos indivíduos com idades mais avançadas as perdas neurais progressivas devido ao processo de envelhecimento (senescência) são mais intensas.

Pelo que vimos, há uma visível relevância do processo de envelhecimento nas duas questões sobre as quais conversamos: quem somos e quantos somos. Vamos trazer esse tema do envelhecimento em próximas conversas.

O cidadão idoso

O envelhecimento, assim como a infância, a adolescência e a maturidade, é um processo natural e inevitável que faz parte do ciclo da vida, marcado por mudanças irreversíveis ao longo do tempo. Logo, envelhecer não é uma escolha.

O conceito de idoso utilizado para fins legais está associado à idade do indivíduo. De acordo com a Lei n.º 10.741, de 1.º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso) considera-se como idoso toda pessoa com 60 anos ou mais, apesar de em muitas situações se utilizar a idade de 65 anos como referência. A Lei nº 13.466, de 12 de julho de 2017 alterou os arts. 3º, 15º e 71º da lei nº 10.741, a fim de estabelecer a prioridade especial das pessoas maiores de oitenta anos (80+), ou seja, dentre os idosos, é assegurada prioridade especial aos 80+, atendendo suas necessidades sempre preferencialmente em relação aos demais idosos 60+.

Há muito convivemos com paradigmas que reforçam os conceitos de que velho e velhice e mais recentemente de idoso, estão geralmente associados a aspectos negativos, com estereótipos de figuras decadentes, inúteis e dependentes.Um exemplo significativo e atual dessa percepção distorcida é o da evolução da simbologia adotada para representar a condição de idoso nos ambientes onde há, por lei, algum tipo de condição especial de atendimento ou acesso. As imagens na figura falam por si.

Socialmente esses paradigmas consolidaram uma imagem de menos valia do idoso e o que assistimos hoje é uma tentativa de resgatar a identidade desse grupo de pessoas, abolindo expressões tradicionalmente depreciativas como velho e velhice e adotando políticas e práticas de cunho social tais como envelhecimento ativo, saudável e participativo. Nesse contexto se observa uma busca de novos termos para identificar os indivíduos com idade mais avançada. A distinção, por exemplo, entre terceira e quarta idades é mais uma tentativa de ajustar padrões de classificação com a realidade de grupos sociais cada vez maiores e mais influentes.

A interrupção do envelhecimento ou a diminuição de sua intensidade com o prolongamento da etapa da maturidade é um desejo, às vezes obsessivo, de muitas pessoas e que se manifesta de diferentes formas, desde a convicção de que “ainda é cedo para pensar nisso”, quando o assunto é envelhecer, até o consumo nem sempre responsável de diferentes produtos (cosméticos, pílulas, alimentos energéticos etc.) com supostas propriedades de retardamento do envelhecimento. Exemplos clássicos da manifestação desse desejo são apresentados em vários filmes tais como O Retrato de Dorian Gray (1945), Cocoon (1985), O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), A Incrível História de Adaline (2015), dentre outros, cujos enredos se desenvolvem com as previsíveis crises de consciência dos personagens frente à possibilidade da juventude eterna. Se você ainda não os assistiu, não deixe de ver; são todos uma boa diversão. Quer uma dica de qual assistir primeiro? Se você gosta de filmes de ação e aventura, não deixe de ver Highlander – O Guerreiro Imortal (1986).

O processo de envelhecimento

Segundo o Caderno de Atenção Básica, n. 19 do Ministério da Saúde, Envelhecimento e saúde da pessoa idosa: “O envelhecimento pode ser compreendido como um processo natural, de diminuição progressiva da reserva funcional dos indivíduos – senescência”.

Nesse conceito duas palavras técnicas merecem destaque: reserva funcional, que é a quantidade de nutrientes disponível (vitaminas, minerais, aminoácidos, ácidos graxos…) para o nosso equilíbrio celular e bom funcionamento fisiológico do organismo, e senescência, que é a condição de um envelhecimento que ocorre sem a influência de doenças e que abrange todas as alterações produzidas no organismo como consequência do passar do tempo. 

O processo de envelhecimento apesar de ser comum a todos é específico de cada indivíduo, não havendo correlações que permitam prever as características orgânicas e psicológicas do indivíduo em função de sua idade cronológica. Observe que esta é uma característica também da DP.

No resumo do Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde) de 2015, encontramos as seguintes observações: “As mudanças que constituem e influenciam o envelhecimento são complexas. No nível biológico, o envelhecimento é associado ao acúmulo de uma grande variedade de danos moleculares e celulares. Com o tempo, esse dano leva a uma perda gradual nas reservas fisiológicas, um aumento do risco de contrair diversas doenças e um declínio geral na capacidade intrínseca do indivíduo. Em última instância, resulta no falecimento. Porém, essas mudanças não são lineares ou consistentes e são apenas vagamente associadas à idade de uma pessoa em anos. Além disso, a idade avançada frequentemente envolve mudanças significativas além das perdas biológicas”.

Não há dúvidas, portanto, de que o envelhecimento traz perdas para o ser humano. Seja qual for a abordagem para se lidar com o envelhecimento, temos que aceitar que ele traz perdas e que essas perdas muitas vezes se confundem com os sintomas e sinais da DP.

Não há dúvidas também de que essas perdas podem e devem ser tratadas por cada um de forma natural buscando a preservação de suas funcionalidades para um envelhecimento saudável e ativo. O termo ativo refere-se à participação contínua nas questões sociais, econômicas e culturais; já o termo saudável refere-se ao bem-estar físico, mental e social. Observe que essas condições e objetivos se aplicam igualmente para pessoas com DP, independentemente da sua faixa etária.

Saudável, ativo ou qualquer outra denominação que a ele se atribua, o mais importante nesse contexto é buscarmos as condições possíveis para mantermos nossas funcionalidades no processo de envelhecimento.

Quando falamos em possibilidades, para muitos de nós, a coisa não é tão simples assim pois a DP já nos impôs algumas limitações e parte de nossa independência está comprometida. E muitas vezes esse comprometimento vem de outra questão inevitável que é o processo natural de envelhecimento, já que à medida que se envelhece surgem doenças crônicas comuns nos idosos (hipertensão, diabetes, artrose, etc) e desenvolvem-se deficiências (como exemplo deficiências auditivas e visuais).

Apesar dessas restrições, conforme preconiza a OMS, há um entendimento que ter saúde não é meramente ausência de enfermidades, mas sim um estado de bem-estar físico, psíquico e social. “Isto significa que um indivíduo, mesmo portador de uma doença, poderá sentir-se saudável, desde que seja capaz de desempenhar funções, atividades, capaz de alcançar expectativas e desejos, capaz de manter-se ativo em seu meio, ter alguma função social, efetivar projetos.”

Mas é assim também com outras doenças, diriam alguns. Sim, com certeza, por isso acreditamos que uma boa parte do que estamos tratando sobre a DP e o envelhecimento cabe para outras doenças em idosos, especialmente os requisitos para nos mantermos ativos e saudáveis.

Concluindo, manter a autonomia e independência durante o processo de envelhecimento é uma meta fundamental para todos os indivíduos, em especial para nós pessoas com DP.

Autonomia e independência

Então, para não confundirmos, vamos esclarecer que a autonomia diz respeito à nossa capacidade de avaliar alternativas e tomar decisões, enquanto a independência está associada à nossa capacidade de realizar atividades cotidianas sem necessitar do suporte ou interferência de outros.

Podemos dizer que para atender a esses requisitos, é necessário que o indivíduo tenha preservadas as suas funções cognitivas, especialmente as “funções executivas” que representam o conjunto de habilidades que permitem ao indivíduo realizar atividades diárias como planejar, executar, avaliar e corrigir um plano de ação; tomar decisões; resolver problemas, dentre outras importantes habilidades. Além disso, é necessária a prática permanente de duas importantes funções: a prevenção e a proatividade. Você já pensou sobre o significado dessas palavras?

Podemos considerar a prevenção como uma ação voltada para evitar a ocorrência de algo não desejado, tal como a prevenção de acidentes, de riscos à saúde, de quedas, de perdas e de muitas outras possibilidades. Já a proatividade é caracterizada pelo comportamento de antecipação, de fazer o que tem que ser feito sem adiamentos desnecessários, de ser responsável pelas suas escolhas e pelas suas atitudes em relação às dificuldades existentes.

Faça agora uma pausa e pense um pouco nos seus hábitos, nas suas ações cotidianas, e procure identificar práticas de prevenção e proatividade no seu dia a dia. Percebe como são importantes para nossa autonomia e independência?

Essa deve ser, portanto, a essência de nossa luta com a DP: sermos proativos no nosso dia a dia, exercitarmos as funções executivas que mantêm nossa autonomia e praticarmos exaustivamente as atividades cotidianas que garantem nossa independência. Tudo isso evidentemente com o conhecimento dos profissionais da saúde que nos acompanham, com segurança e dentro dos limites de nossas possibilidades.

Um outro ponto importante é entender que uma doença nem sempre leva à incapacidade. Isso vai depender dos sintomas da doença e das exigências de determinado trabalho.

Mas como saber avaliar em que condições somos funcionais ou incapazes?

A OMS – Organização Mundial da Saúde desenvolveu uma Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, conhecida como CIF, tema para nosso próximo texto.


[1] Área do conhecimento que estuda os diferentes fatores que intervêm na propagação de doenças, sua frequência, sua distribuição geográfica, sua evolução e os meios necessários para a sua prevenção.

[2] Área do conhecimento que estuda a origem e a causa de um determinado fenômeno. Aplicada em diversas áreas, a etiologia é muito comum na medicina, com o objetivo de analisar as prováveis causas dos diversos tipos de doenças.

[3] Dados oficiais https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/ indicam que o Brasil possui uma população estimada em 210 milhões de pessoas, das quais aproximadamente 30 milhões possuem 60 anos ou mais e compõem o grupo de idosos, representando algo em torno de 14,6% da população total.