Viver aqui e agora

Marcus Carvalho Fonseca          

Texto disponibilizado em mar/2022. Se quiser baixar este texto em pdf clique aqui.

Os conteúdos apresentados neste texto são apenas informativos e não se constituem em artigo técnico científico. Seu objetivo, junto com os demais textos disponíveis aqui no website é, por meio de uma abordagem introdutória de temas pouco discutidos entre nós, contribuir para que possamos entender com mais clareza o contexto da doença de Parkinson (DP). É importante ressaltar que não sou profissional da área da saúde. Portanto, não utilize de forma alguma nenhuma parte do conteúdo para automedicação. Trata-se de um conjunto de informações obtidas pela experiência e conhecimento adquiridos ao longo de anos com Parkinson e em pesquisas na internet. Ou seja, são textos escritos por um leigo para leigos.

Uma simples pergunta costuma visitar minha mente com frequência: como será o amanhã? Bola de cristal, cartomante, jogo de búzios, mapa astral, dentre outros; você vai estar tão longe dessas respostas quanto mais avançado for o seu nível de autoconsciência.

Essa preocupação ou a busca por essas respostas não são novas. Escrevendo esse texto, divaguei pensando sobre as inúmeras vezes que isso ocorreu na minha vida, a preocupação com o futuro, e lembrei-me de uma situação interessante que abordou essa ansiedade de forma, podemos dizer, artística. Para quem lembra, no carnaval de 1978 (isso mesmo, há 44 anos atrás), a Escola de Samba União da Ilha (G.R.E.S. União da Ilha do Governador) empolgou o desfile com seu samba enredo “O Amanhã” de autoria de Paulo Sérgio, interpretado por Aroldo Melodia que popularizou o refrão:

“Como será o amanhã?

Responda quem puder

O que irá me acontecer?

O meu destino será como Deus quiser”

Qual pessoa com DP não gostaria de ter essas respostas? Fonte de desejos, expectativas e ansiedades, o futuro sempre foi objeto de especulações, previsões e adivinhações (como será o amanhã?), visando fornecer respostas capazes de orientar a vida das pessoas (o que irá me acontecer?), diminuir a incerteza de suas decisões, mitigar os efeitos de impactos emocionais e assumir diferentes formas de enfrentamento de crises.

Pois foi assim que os anos foram passando e a vida girando em torno do amanhã, até que a terapia me fez ver que a lógica da pergunta podia ser outra. Que tal transformar o “como será o amanhã?” em “como será o dia de hoje”? Uma grande mudança; sair do futuro e viver cada dia, viver o presente. Porque é no presente que temos a parte concreta da vida, é no presente que vivemos nossa realidade, já que o passado se foi e não volta mais e o futuro é uma ilusão geradora de ansiedade.

O que fazer então? Devemos simplesmente não pensar mais no futuro? Calma, não é bem assim. É importante estar ligado no futuro, com realismo e pés no chão, ter projetos de vida, estabelecer prioridades, trabalhar duro para realizar seus desejos e alcançar suas expectativas, tudo isso faz parte do lado saudável da relação com o futuro. O planejamento de longo prazo é importante, é um compromisso consigo mesmo e como tal, deve ser viável e inspirador de foco nas suas ações e norteador de suas prioridades no presente. O importante é não descolar da realidade, não cair na ansiedade e assim poder desfrutar a vida no presente. Algo como nos ensina o monge budista que vive em um monastério no Nepal (Ricard, Matthieu. Felicidade: a prática do bem-estar. São Paulo: Palas Athenas. 2007):

“Libertar-nos do medo do futuro não nos torna incapazes de nos aproximarmos dele com lucidez, mas nos salva de atolar em pensamentos inúteis”.

Vejam que em sua frase o autor destaca a importância de libertar-nos do futuro e de nos aproximarmos dele com lucidez. Esse é o nosso desafio, desapegar do futuro e viver o aqui e agora!

Então a simples pergunta passa a ser: como viver o aqui e agora?

Uma das respostas para mim é clara e objetiva: mantendo a mente ocupada.

Só que não é fácil, na realidade é muito difícil desapegar de uma condição alimentada em nossas mentes durante décadas talvez. Creio que sem um apoio profissional dificilmente teremos sucesso.

Uma das coisas que aprendi nesses anos por conta dos processos terapêuticos nas áreas da psicologia e neuropsicologia que venho participando é que para lidar com a incerteza e a ansiedade decorrentes, são necessários exercícios permanentes das funções cognitivas que muitas vezes são comprometidas pela DP. A natureza e intensidade desses exercícios devem ser orientadas por profissional da área da psicologia, por tratarem de questões mais profundas como: o que sabemos sobre nossas emoções? Será que compreendemos o que sentimos e vivenciamos no dia a dia? Como nossas amarras com o passado e o futuro interferem em nossos comportamentos?

Manter a mente ocupada pode não ser tão simples como possa parecer, então comece pelo básico e mais simples: pense positivo, alimente pensamentos positivos sobre você e sua vida; desvie sua mente de pensamentos negativos; procure ver o lado positivo das situações cotidianas.

Para o curto prazo defina as atividades de organização, ordem e limpeza que você pode executar no cotidiano com segurança e faça um planejamento do que vai fazer durante a semana. Complementarmente, não deixe de manter sua mente em constante desafio; adote o hábito de fazer quebra-cabeças como Sudoku (esse jogo é excelente e vem geralmente classificado em níveis de dificuldade), palavras cruzadas e outros jogos interessantes que você pode comprar em qualquer banca de revistas, além de usar a aritmética mental (fazer conta de cabeça, como dizíamos na nossa infância), em vez de usar uma calculadora. Isso pode ajudar o seu cérebro a funcionar melhor, assim como estimular suas funções cognitivas.

Para o longo prazo a questão é um pouco mais complexa. Minha sugestão é que você elabore uma lista de coisas que gostaria de realizar, converse com sua família, veja o que é possível e viável e elabore um plano de ações para os próximos 2 ou 3 anos. É importante que cada um encontre suas motivações para ocupar a mente, especialmente com projetos viáveis e realistas. A falta de ocupação não é saudável e a mente vazia é presa fácil para a angústia.

Venho construindo essa visão crítica ao longo dos últimos anos, já que com a DP vivi de fato uma ruptura na minha vida, o que me levou a ressignificar algumas crenças e paradigmas em busca de melhor qualidade de vida.

Longe de afirmar que está tudo bem, que superei minhas depressões e que minhas principais questões estão resolvidas; o futuro de vez em quando bate na minha porta e me questiona sobre minha condição física e funcionalidade e outras questões associadas à DP e às minhas condições motora e cognitiva. Creio que vou viver com esses fantasmas rondando minha mente, mas o mais importante é não deixar que eles tomem conta de meus pensamentos.

É preciso ter resiliência e perseverança e para isso é necessário manter a mente ocupada com atividades produtivas (dependendo da sua funcionalidade) e prazerosas.

Finalizando, chegamos num ponto a partir do qual essa discussão pede a intervenção de profissionais da área da psicologia. Creio que consegui trazer informação suficiente para refletirmos sobre o futuro e suas influências em nossa qualidade de vida.

Se você ainda tem dúvidas se deve desapegar do futuro, feche os olhos e cantarole a música de Lulu Santos “Como uma onda” e procure absorver de cada frase da música suas conexões com o futuro.