Qualidade de vida

Marcus Carvalho Fonseca

Texto disponibilizado em mar/2022. Se quiser baixar este texto em pdf clique aqui.

Os conteúdos apresentados neste texto são apenas informativos e não se constituem em artigo técnico científico. Seu objetivo, junto com os demais textos disponíveis aqui no website é, por meio de uma abordagem introdutória de temas pouco discutidos entre nós, contribuir para que possamos entender com mais clareza o contexto da doença de Parkinson (DP). É importante ressaltar que não sou profissional da área da saúde. Portanto, não utilize de forma alguma nenhuma parte do conteúdo para automedicação. Trata-se de um conjunto de informações obtidas pela experiência e conhecimento adquiridos ao longo de anos com Parkinson e em pesquisas na internet. Ou seja, são textos escritos por um leigo para leigos.

Muito se lê e se fala sobre melhorar a qualidade de vida das pessoas, mas a cada citação desse termo, a impressão que eu tenho é que não sabemos ao certo o que isso significa. O que é qualidade de vida para você que tem doença de Parkinson (DP)?

Normalmente as pessoas associam qualidade de vida à posse de bens materiais. Não devemos confundir qualidade de vida com padrão de vida.  Padrão de vida está relacionado à qualidade e quantidade de bens e serviços, enquanto qualidade de vida se refere à satisfação do indivíduo com sua vida cotidiana.

Não há dúvidas de que uma situação financeira equilibrada traz tranquilidade e nos permite ter acesso a coisas de que gostamos, como viajar, por exemplo, mas isso é suficiente?

Hábitos saudáveis, alimentação equilibrada, prática constante de exercícios físicos, trabalhar sem estresse, dentre outras, são receitas importantes para preservar a saúde e buscar um envelhecimento mais saudável que proporciona melhor qualidade de vida.

Creio que ninguém desconsidera a saúde como um dos mais importantes requisitos para se ter uma boa qualidade de vida. Dedique um pequeno tempo para acessar o documento da série Brasil Saúde, disponível no link https://saudebrasil.saude.gov.br/eu-quero-me-exercitar-mais/o-que-significa-ter-saude (último acesso em 20 fevereiro 2022) que trata do assunto “O que significa ter saúde?”  é uma boa dica de leitura pela forma leve com que trata o assunto. Outra boa dica você encontra no link https://www.saudebemestar.pt/pt/blog-saude/qualidade-de-vida/ (último acesso em 21 fevereiro 2022) que apresenta uma abordagem bem abrangente do tema qualidade de vida. A percepção do conceito de qualidade de vida tem muitos pontos em comum com a definição de saúde, com muito material de bom nível disponível na internet de tal forma que considero desnecessário escrever sobre essa relação.

Qual seria então a abordagem mais útil para nós pessoas com DP?

Que tal começarmos com a seguinte questão: é possível usufruir de boa qualidade de vida sendo uma pessoa com DP?

Minha resposta é sim, mas com ressalvas, pois quando falamos em possibilidades, para muitos de nós, a coisa não é tão simples assim pois a DP já nos impôs algumas limitações e parte de nossa independência está comprometida. E muitas vezes esse comprometimento vem potencializado pelo processo natural de envelhecimento, já que à medida que se envelhece surgem doenças crônicas comuns nos idosos (hipertensão, diabetes, artrose, etc) e desenvolvem-se deficiências (como exemplo deficiências auditivas e visuais). Então temos que ter muito cuidado para não generalizar determinadas situações ligadas às pessoas com DP, já que elas podem apresentar limitações muito diferentes que comprometem sua qualidade de vida.

Veja o caso da OMS que tem o entendimento que ter saúde não é meramente ausência de enfermidades, mas sim um estado de bem-estar físico, psíquico e social. “Isto significa que um indivíduo, mesmo portador de uma doença, poderá sentir-se saudável, desde que seja capaz de desempenhar funções, atividades, capaz de alcançar expectativas e desejos, capaz de manter-se ativo em seu meio, ter alguma função social, efetivar projetos.” E se esse indivíduo não é mais capaz de desempenhar o que foi descrito?

O bem-estar físico, psíquico e social passa pela parte mais sensível ou visível dos comprometimentos que a DP nos impõe: as mudanças no nosso corpo.

A imagem corporal é uma percepção que o indivíduo tem do seu corpo e todos sabemos que a pessoa com DP apresenta sinais que comprometem seus movimentos e mudam seu corpo, gerando muitas vezes um sentimento de baixa autoestima com consideráveis impactos psicológicos. O que fazer com um corpo em transformação, mais lento, menos flexível, curvado, com tremores e outros comprometimentos visíveis? Como lidar com essas mudanças? Na maioria dos casos não estamos preparados para essas mudanças e devemos estar abertos às orientações dos profissionais terapeutas para enfrentarmos essa situação da melhor forma possível. De acordo?

As mudanças no corpo e na mente podem gerar perdas de autonomia e independência, que na minha opinião são as mais importantes, lembrando que a autonomia diz respeito à nossa capacidade de avaliar alternativas e tomar decisões, enquanto a independência está associada à nossa capacidade de realizar atividades cotidianas sem necessitar do suporte ou interferência de outros. Dependendo do grau de comprometimento que a DP provocou no indivíduo, é difícil imaginar uma situação de elevada autoestima e percepção de boa qualidade de vida.

Uma abordagem interessante sobre a consideração do corpo na qualidade de vida é a que trata da sua condição de morada da alma. A frase “a casa é corpo e é alma” (o filósofo Gaston Bachelard considerava a casa como fonte de acolhimento e que sem ela o homem seria um ser disperso) é um desafio à busca de um equilíbrio pouco explorado entre nós.

Não deixa de ser uma mudança de paradigma entender que para se ter qualidade de vida é preciso manter um equilíbrio nas relações casa (lar) – corpo – alma. A casa ou o lar porque é lá onde eu vivo a maior parte de minha vida e onde se desenvolvem as relações interpessoais com a família; o corpo porque é com ele que convivo com as limitações impostas pela DP e pelo envelhecimento, e a alma porque é a ela que associo as manifestações da mente, dos sentimentos e demais aspectos da imaterialidade. Ou seja, a alma habita o corpo que habita a casa, onde todos exigem cuidados.

Esse “cuidado” transcende a atenção voltada para a manutenção da saúde. É uma condição de bem-estar biopsicossocial, na qual corpo, alma, ambiente físico, lar, autonomia, harmonia e equilíbrio coexistem como uma coisa única e integrada e que nos dá a sensação de bem-estar.

Será mesmo que temos consciência do que esse cuidado representa para nossa qualidade de vida?

Nosso corpo tem uma sabedoria única para lidar com crises. Todos nós temos experiências vividas de recuperação bastando dar ao corpo o tempo do descanso e do cuidado. Cuidar desse corpo mantendo-o saudável e ativo é uma obrigação que nós pessoas com DP temos conosco mesmo para nos mantermos também ativos e saudáveis.

Conhecer as próprias limitações ajuda a lidar e conviver com as sensações adversas que nos afetam. O amor-próprio é um exercício diário e constante, que passa pela aceitação e reconciliação com você mesmo. Afinal, se você não consegue estar bem consigo, possivelmente isso impactará em outras áreas da vida.

Assim como o nosso corpo tem necessidades especiais e merece nosso cuidado, a nossa casa também tem. Muito do que há em nós acaba por se materializar no ambiente onde vivemos e vice-versa, eu creio. Quando estamos em uma casa pouco ventilada, sombria, em desordem, com lixo acumulado e com coisas em excesso, o nosso corpo tende a reagir a tudo isto, ativando defesas como alergias e se transformando em algo que transmite a sensação de um ambiente insalubre. O quadro resultante é um estímulo à depressão e uma permanente sensação de baixa autoestima. Práticas como apego excessivo a coisas que já não tem utilidade nenhuma são típicas dos acumuladores que costumam chegar a uma situação patológica. Definitivamente essa não é uma condição adequada para uma pessoa com DP.

Já conversamos em um texto anterior sobre a importância do desapego. Por tudo isso, devemos sempre estar avaliando nossa relação com a casa em que vivemos, nos seus aspectos de segurança, bem-estar e praticidade. Podemos ler sobre práticas de desapego como o movimento minimalista que tem como objetivo ter apenas o essencial, eliminando os excessos, ou o Feng Shui, uma milenar sabedoria para evoluirmos na nossa relação saudável e harmoniosa com o ambiente em que vivemos.

E finalmente, devemos buscar a simplicidade. Geralmente não percebemos, mas é muito fácil complicar as coisas, por isso é fundamental entendermos como praticar a simplicidade. A simplicidade é uma característica daquilo que não é complicado, aquilo que não carece de explicação e tem facilidade de ser compreendido. A simplicidade se caracteriza pela ausência de adornos e periféricos desnecessários. Os atos simples são os que possuem a verdadeira autenticidade de sentimento. Como disse Leonardo da Vinci, “a simplicidade é o último grau de sofisticação”.

Sua casa e seu corpo necessitam de ar, de sol, de energias positivas que transmitam bem-estar sensorial, especialmente para aqueles que têm a DP.

Lembre-se sempre de que cuidando de sua casa você cuidará de seu corpo e cuidando de seu corpo cuidará de sua alma. Enquanto isso, não deixe de praticar as recomendações para uma vida saudável, como fazer exercícios, alimentar-se bem, adotar hábitos saudáveis e outros.

O importante é acordar e reconhecer o seu ambiente com satisfação e sensação de prazer com o que tem. Assim você estará no caminho de sentir-se bem com sua vida cotidiana usufruindo de melhor qualidade de vida.

Cabe agora a você pensar naquilo que para você faz bem à sua casa, ao seu corpo e à sua alma.

Pense nisso!